As eleições municipais e regionais na Venezuela e a missão de observação eleitoral da UE

"A missão de observação eleitoral da UE na Venezuela será útil para ajudar os venezuelanos a encontrar uma saída da crise através do diálogo político."
A Venezuela está a atravessar uma crise económica, social e política dramática, agravada pela pandemia de COVID‑19. A má gestão do país pelo governo de Nicolás Maduro, que os Estados‑Membros da UE não reconhecem como legítimo, e o efeito das sanções económicas provocaram uma hiperinflação e uma grave escassez de bens essenciais num país produtor de petróleo e potencialmente rico. A crise prejudica a vida de uma grande parte da população, fazendo da Venezuela um dos países mais afetados pela insegurança alimentar a nível mundial, de acordo com o Programa Alimentar Mundial. Até 70 % das crianças em idade escolar não frequentam assiduamente a escola, e cerca de 82 % da população não tem acesso regular a água. O país tem registado vários importantes surtos de doenças infecciosas e as taxas de homicídio estão entre as mais elevadas do mundo.
Desde 2015, mais de 5 milhões de venezuelanos fugiram do país para outros países da América Latina e para Espanha. Este êxodo em massa resultou na falta de pessoal qualificado, por exemplo, de mais de 200 000 professores. A presença de grupos armados e associações criminosas torna a situação nas zonas fronteiriças particularmente preocupante. Durante a minha recente viagem ao Peru e ao Brasil, tive a oportunidade de ouvir os testemunhos de alguns refugiados venezuelanos sobre a sua vivência no país e pude aperceber‑me melhor dos efeitos da permanente crise venezuelana para toda a região.
A UE está a ajudar a encontrar uma solução política para a crise
Neste contexto, em estreita colaboração com o Grupo Internacional de Contacto, a UE tem estado empenhada nos últimos dois anos em ajudar a encontrar uma solução política para a crise. Tenho participado ativa e pessoalmente nestes esforços, o que motivou muitas vezes críticas de ambas as partes. Embora, até à data, esses esforços ainda não tenham produzido os resultados desejados, temos de continuar a ajudar a encontrar uma saída para a crise venezuelana, que só pode ser alcançada pelo próprio povo venezuelano por meio de negociações políticas, como as que se realizaram recentemente no México.
"Aceitámos o pedido do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela para enviar uma MOE quando nos foi confirmada a participação dos principais partidos da oposição, uma vez que tal significava que estas eleições seriam mais inclusivas do que as anteriores."
A decisão de enviar uma missão de observação eleitoral (MOE) da UE para observar as recentes eleições regionais e municipais, pela primeira vez nos últimos 15 anos, foi um novo passo importante nessa direção. Não enviámos uma MOE para observar as eleições legislativas do ano passado, uma vez que não estavam reunidas as condições necessárias. Desta vez aceitámos o pedido do Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela para enviar uma MOE quando nos foi confirmada a participação dos principais partidos da oposição, uma vez que tal significava que estas eleições seriam mais inclusivas do que as anteriores, nas quais a oposição não participou. A opinião generalizada na Venezuela é a de que a nova composição do Conselho Eleitoral é a mais equilibrada dos últimos 20 anos. Além disso, antes de tomar a decisão de enviar a MOE, o Serviço Europeu para a Ação Externa negociou com as autoridades da Venezuela um acordo administrativo que garante à UE a possibilidade de observar o processo eleitoral livremente e no pleno respeito da nossa rigorosa metodologia de observação. Esse acordo foi respeitado. Tratou‑se, no entanto, de uma decisão controversa: uns viram‑na como uma forma de legitimar o regime de Nicolás Maduro e branquear o processo eleitoral, outros como uma interferência nos assuntos internos da Venezuela.
Uma missão de observação eleitoral é uma organização complexa
Uma MOE é uma organização complexa que exige muito tempo e múltiplos recursos para funcionar corretamente. A missão em questão integrou cerca de 140 pessoas, sob a responsabilidade da chefe da missão de observação eleitoral, a deputada ao Parlamento Europeu Isabel Santos, acompanhada do chefe da delegação do Parlamento Europeu, Jordi Cañas. Uma MOE da UE é sempre uma operação estritamente independente, e o chefe da missão é responsável por proteger essa independência. Os peritos da MOE já se encontravam no país muito antes do dia das eleições e lá permaneceram para finalizar o seu relatório final, que será tornado público nas próximas semanas. Isto nada tem a ver com a presença simbólica de algumas personalidades no dia das eleições, que não têm capacidade para avaliar a globalidade do processo eleitoral em todo o país.
Em 21 de novembro, realizaram‑se eleições regionais e municipais para escolher 23 governadores, 335 autarcas e mais de 2 700 membros dos conselhos municipais e dos conselhos legislativos estatais. Perante o elevado grau de descontentamento da população, não é surpreendente que a taxa de participação eleitoral dos venezuelanos tenha sido de apenas 42,5 %, a mais baixa dos últimos 25 anos. O facto de cerca de 6 milhões de pessoas, um em cada sete venezuelanos, terem saído do país também se repercutiu na taxa de participação.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, as forças políticas pró‑Maduro elegeram 20 governadores de um total de 23 e 212 autarcas de um total de 335, embora a maioria dos votos tenha recaído em candidatos não apoiantes do governo. A fragmentação da oposição limitou a sua capacidade de tirar partido destes votos. No entanto, ao eleger 59 autarcas, a oposição, agrupada numa plataforma unitária, duplicou o seu número de autarcas em comparação com as eleições de 2017, apesar das condições políticas desfavoráveis assinaladas pela MOE da UE na sua declaração preliminar de conclusões.
"A missão de observação eleitoral constatou algumas melhorias concretas no processo eleitoral. No entanto, salientou igualmente que subsistem problemas estruturais importantes que afetam a equidade e a transparência das eleições."
Nesta declaração, apresentada na passada terça‑feira, Isabel Santos e Jordi Cañas reconheceram que a MOE constatou algumas melhorias concretas no processo eleitoral em comparação com as eleições mais recentes. No entanto, salientaram também que subsistem problemas estruturais importantes: falta de independência judicial e desrespeito do Estado de direito; utilização de recursos estatais para campanhas políticas; uma série de exclusões políticas arbitrárias de candidatos; falta de independência dos média. Todos estes fatores afetaram a igualdade de condições e a equidade e transparência das eleições.
As MOE da UE não são "polícias eleitorais"
Na conferência de imprensa, os jornalistas perguntaram repetidamente se as eleições foram livres e equitativas. A pergunta sugere uma certa falta de compreensão do papel da missões internacionais de observação eleitoral em que a UE tem uma larga experiência: nós não somos "polícias eleitorais". A nossa presença não visava dar ou retirar legitimidade à eleição ou declarar se esta era livre e justa. As MOE da UE destinam‑se a apresentar conclusões objetivas sobre a forma como um processo eleitoral é conduzido, com base nas normas democráticas internacionais a que o país aderiu. Essas conclusões constituem a base de um conjunto de recomendações que podem ajudar a melhorar os processos eleitorais futuros.
"A missão de observação eleitoral da UE foi útil para o povo venezuelano e permite à UE e à comunidade internacional avaliar melhor a realidade do país."
Embora Nicolás Maduro tenha declarado recentemente que os membros da MOE da UE eram "espiões" cuja presença tinha como objetivo desacreditar as eleições, o facto de a missão e a declaração preliminar terem sido bem recebidas pela grande maioria dos venezuelanos no terreno sugere que a decisão de realizar a missão de observação foi acertada. A missão foi útil para o povo venezuelano e permite à UE e à comunidade internacional avaliar melhor a realidade no país.
No entanto, o contributo mais importante desta missão será constituído pelas suas recomendações finais para eleições futuras, que serão disponibilizadas no início de 2022. A forma de organizar eleições livres e justas é, efetivamente, uma das questões fundamentais subjacentes a qualquer solução negociada politicamente para a crise venezuelana. Em todo o caso, a UE prosseguirá os seus esforços para contribuir para a reconciliação e a "reinstitucionalização" na Venezuela a fim de aliviar o sofrimento dos venezuelanos.
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