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A política energética ocupa um lugar de destaque na política externa da UE

13.06.2022

Blogue do AR/VP - Estamos atualmente a braços, simultaneamente, com uma grave crise geopolítica resultante da guerra contra a Ucrânia e uma grave ameaça ecológica e em matéria de segurança devido às alterações climáticas. O plano REPowerEU é uma resposta integrada a estes dois desafios. Juntamente com a Comissão, apresentei esta semana algumas propostas concretas numa série de domínios, nomeadamente uma diplomacia energética da UE mais ambiciosa e que visa objetivos específicos.

«Devemos transformar o nosso ponto fraco atual, isto é, a dependência de combustíveis fósseis importados da Rússia, num ponto forte. E para isso precisamos de acelerar a nossa transição ecológica e de ajudar os países emergentes e em desenvolvimento a juntar-se a nós neste caminho.» #REPowerEU

 

A política energética sempre foi uma questão geopolítica e este facto tornou-se ainda mais claro com a guerra na Ucrânia. Durante anos, debatemos a necessidade de reduzir a nossa dependência das importações de energia provenientes da Rússia, um país que utiliza a energia como arma política. Ficámos agora a saber que já não podemos dar-nos ao luxo de ignorar esta situação: estamos a financiar a capacidade do Kremlin para prosseguir a guerra contra a Ucrânia. Resolver este problema não será uma tarefa fácil e exigirá ações internas em várias frentes descritas no plano REPowerEU plan.

 

«Temos de assegurar que o nosso objetivo a curto prazo - isto é, privar Putin dos recursos e alavancas que os combustíveis fósseis lhe proporcionam - é coerente com os nossos objetivos a médio prazo de nos tornarmos neutros em termos de carbono até 2050.»

Isto tem também inúmeras implicações para a política externa da UE e para as nossas parcerias com muitas regiões do mundo. Temos de assegurar que o nosso objetivo a curto prazo - isto é, privar Putin dos recursos e alavancas que os combustíveis fósseis lhe proporcionam - é coerente com os nossos objetivos a médio prazo de nos tornarmos neutros em termos de carbono até 2050. Foi este o percurso que tentámos definir na estratégia energética externa da UE, adotada na quarta-feira passada.

A Rússia é atualmente o maior fornecedor de gás da Europa, detendo uma parte do nosso consumo superior a 40%. Queremos pôr termo a esta dependência até 2027. A maior parte do gás e do petróleo que importamos da Rússia será substituída por energias renováveis ou graças à eficiência e poupanças. No entanto, para fornecer o restante gás necessário, a UE deve aumentar as suas importações provenientes de fontes não russas.

Ao fazê-lo, temos de ter em conta que o panorama energético mundial mudará rapidamente, à medida que o mundo inicia a transição ecológica. No século XX, a energia tornou-se cada vez mais uma fonte de poder nacional e a sua falta uma vulnerabilidade estratégica. Os países produtores de petróleo e gás exerceram o seu poder no sistema internacional. Os países que não possuem recursos provenientes de combustíveis fósseis ou onde a procura de petróleo ultrapassou a sua própria produção, adaptaram as suas políticas externas para garantir o acesso. O facto de se deixar de utilizar petróleo e gás pode vir a reconfigurar o mundo de forma tão radical como foi o caso há um século atrás.

 

«O panorama energético mundial mudará rapidamente, à medida que o mundo inicia a transição ecológica. A cessação da utilização do petróleo e do gás poderá reconfigurar o mundo de forma tão radical como há um século atrás.»

À medida que o comércio de combustíveis fósseis diminuirá, novos produtos de base, como o hidrogénio, tornar-se-ão mais relevantes e serão comercializados a nível internacional. Esta mudança alterará o equilíbrio de poderes a nível mundial, uma vez que a capacidade de produção de hidrogénio renovável está mais bem distribuída do que a produção de petróleo e gás. O plano REPowerEU prevê mais 20 milhões de toneladas de hidrogénio renovável até 2030 para substituir o gás russo, incluindo 10 milhões de toneladas de hidrogénio importado. Para substituir as importações de gás da Rússia, a UE deve favorecer estratégias que contemplem tanto o gás como o hidrogénio verde, a fim de minimizar o risco dos chamados ativos irrecuperáveis. É verdade que é mais fácil falar do que fazer, mas sem dúvida que este é o caminho a seguir.

 

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Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA): potencial técnico de produção de hidrogénio renovável a um valor inferior a 1,5 dólares por kg até 2050, em EJ

 

Estamos a trabalhar numa Parceria Mediterrânica para o Hidrogénio Verde, que deverá constituir o primeiro passo para uma cooperação mais alargada no domínio do hidrogénio renovável entre a Europa, África e o Golfo, outra área onde abundam recursos para a produção de hidrogénio. Esta questão faz parte da estratégia do Golfo que adotámos juntamente com o plano REPowerEU: a transição para a produção de hidrogénio verde é um elemento essencial da mudança por que os países produtores de petróleo e gás terão de passar durante a próxima década. A África do Sul e a Namíbia, que também estão a desenvolver um setor do hidrogénio renovável, já atraíram o interesse da indústria da UE.

 

«A cooperação em matéria de aprovisionamento de hidrogénio verde implica promover o consumo local de eletricidade e hidrogénio renováveis e desenvolver indústrias verdes nos países parceiros.»

 

A cooperação neste domínio implica promover o consumo local de eletricidade e hidrogénio renováveis e desenvolver indústrias verdes nos países parceiros. O quadro regulamentar da UE aplicável ao hidrogénio é o mais avançado do mundo. Consequentemente, devemos assumir um papel de liderança no que respeita ao desenvolvimento de um mercado do hidrogénio mundial assente em regras. Para começar, a UE considera a possibilidade de lançar um Mecanismo Europeu Mundial do Hidrogénio.

 

A necessidade de encontrar um equilíbrio a longo e a curto prazos

No entanto, temos de encontrar um equilíbrio a longo e a curto prazos: para podermos deixar de usar o gás russo, temos de importar mais gás de outras fontes a curto prazo. Temos de encontrar novos fornecedores de forma coordenada: faz todo o sentido tentar reproduzir a ambição do programa comum de aquisição de vacinas através do desenvolvimento de um «mecanismo de aquisição conjunta» que negocie e celebre contratos de aquisição de gás em nome dos Estados-Membros participantes. Ainda não estamos nesta fase, mas, até à data, lançámos uma plataforma europeia de aquisições conjuntas de gás, aberta também à participação da Ucrânia, da Moldávia, da Geórgia e dos Balcãs Ocidentais, para coordenar os nossos esforços e facilitar a aquisição conjunta de gás e hidrogénio.

 

A diversificação do aprovisionamento já está em curso

No que diz respeito à diversificação do aprovisionamento, a Comissão Europeia e os EUA chegaram a acordo sobre fornecimentos adicionais de gás natural liquefeito (GNL) através de exportações dos EUA, mas também com outros parceiros. Estamos também em conversações com o Canadá sobre eventuais fornecimentos de GNL e hidrogénio. Antes do verão, a UE pretende celebrar um acordo trilateral com o Egito e Israel sobre o fornecimento de GNL à Europa. O Japão e a Coreia já redirecionaram uma série de fretes de GNL para a Europa, e o Catar está disposto a facilitar as trocas com os países asiáticos.

Em termos de gás transportado por gasoduto, a Noruega já aumentou o seu fornecimento à Europa e tanto a Argélia como o Azerbaijão manifestaram a vontade de o fazer. O aumento da capacidade do gasoduto transadriático também aumentaria o aprovisionamento de gás à UE e aos Balcãs Ocidentais. Os países da África Subsariana e, em especial, da África Ocidental, como a Nigéria (que já forneceu 15% das importações da UE em 2021), o Senegal e Angola mostram igualmente um potencial por explorar em matéria de GNL.

 

«O aprovisionamento adicional de gás deve ser associado ao combate às fugas de metano. Utilizando a tecnologia atual, podem ser eliminadas até 70% das emissões de metano dos setores do petróleo, do gás e do carvão.»

Estes fornecimentos adicionais de gás devem ser associados ao combate às fugas de metano. Anualmente, perde-se pelo menos, 46 mil milhões de metros cúbicos de gás natural para a ventilação e a queima em tocha nos países que poderiam abastecer a UE. Até 70% destas emissões de metano provenientes dos setores do petróleo, do gás e do carvão podem ser eliminadas utilizando a tecnologia atual e quase metade sem custos. A UE está disposta a prestar assistência técnica aos parceiros com vista a criar sistemas de recolha e aquisição mutuamente vantajosos.

 

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Há duas semanas, juntamente com a Comissão, na qualidade de Alto Representante, propus que fosse realizada uma sexta ronda de sanções, incluindo um embargo gradual do petróleo russo, a fim de pôr termo ao financiamento da máquina de guerra do Kremlin. Estão ainda a decorrer as negociações para obter a unanimidade necessária. Espero que possamos chegar a acordo sobre o pacote o mais rapidamente possível.

A Rússia é atualmente o maior exportador mundial de petróleo e a sua invasão brutal da Ucrânia causou aumentos substanciais dos preços no mercado mundial do petróleo. Juntamente com os nossos parceiros internacionais, pedimos aos países produtores de petróleo que aumentassem os fornecimentos usando a capacidade disponível. Os membros da Agência Internacional de Energia acordaram igualmente em libertar 120 milhões de barris das suas provisões de segurança, a maior entrega da história da AIE. Neste contexto, a aplicação integral e efetiva do acordo nuclear com o Irão (PACG) poderá facilitar a entrada do petróleo iraniano no mercado. A referida comunicação sobre a Parceria Estratégica com o Golfo apresenta propostas sobre a forma de reforçar a nossa relação e cooperação com esta região rica em energia.

 

Ajudar a Ucrânia, a Moldávia e os Balcãs Ocidentais

Estamos também a ajudar a Ucrânia no domínio da energia. A sincronização de emergência da rede elétrica com a Ucrânia e a Moldávia, em março último, constitui um passo importante no sentido de garantir a segurança do aprovisionamento. Os fluxos bidirecionais já permitem transportar gás da UE para a Ucrânia. Na sequência do comportamento imprudente da Rússia relativamente às centrais nucleares ucranianas, a segurança nuclear continua a ser uma das principais prioridades. No que diz respeito aos países dos Balcãs Ocidentais, tencionamos propor a sua plena integração no mercado da eletricidade europeu, a fim de acelerar a eliminação progressiva do carvão em todo o sudeste europeu.

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«Dispomos dos instrumentos e da experiência necessários para ajudar as centenas de milhões de pessoas necessitadas a acederem pela primeira vez a energia através de tecnologias hipocarbónicas e adequadas ao futuro.»

 

Estamos também a intensificar o nosso empenhamento na transição ecológica em todo o mundo. Dispomos dos instrumentos e da experiência necessários para ajudar as centenas de milhões de pessoas necessitadas a acederem pela primeira vez a energia através de tecnologias hipocarbónicas e adequadas ao futuro. No ano passado, lançámos a iniciativa Global Gateway para impulsionar ligações inteligentes, limpas e seguras nos setores digital, da energia e dos transportes em todo o mundo. Esta iniciativa reunirá a UE e os seus Estados-Membros com as instituições financeiras e de desenvolvimento conexas, incluindo o BEI e o BERD, a fim de mobilizar até 300 mil milhões de euros de investimento no período de 2021-2027. 30% da dotação da UE para a ajuda ao desenvolvimento é também canalizada para o combate às alterações climáticas, sendo a UE o maior contribuinte para o Fundo Verde para o Clima, no montante de 100 mil milhões de dólares, no seguimento da COP 26.

 

O exemplo da parceria com a África do Sul

Para dar um exemplo concreto, a UE, juntamente com parceiros internacionais, está a implementar uma parceria para uma transição energética justa com a África do Sul, de 8,5 mil milhões de dólares, centrada na eliminação progressiva do carvão. Estamos atualmente a estudar a possibilidade de estabelecer parcerias deste tipo com o Vietname, a Indonésia e a Índia. Apesar das diferenças significativas noutros domínios, cooperamos também com a China no domínio da energia depois de esta ter decidido alcançar a neutralidade carbónica até 2060 no âmbito da plataforma de cooperação UE-China no domínio da energia (ECECP) e do diálogo anual de alto nível UE-China sobre energia.

O objetivo da UE de apoiar a transição mundial exige igualmente a reforma e o reforço do panorama fragmentado da governação energética a nível mundial. Precisamos de instituições multilaterais que funcionem bem e que possam ajudar a partilhar conhecimentos técnicos e a definir regras e normas acordadas a nível mundial, em conformidade com os objetivos mundiais em matéria de clima.

A energia sempre foi uma questão geopolítica central e, com a guerra contra a Ucrânia e o combate às alterações climáticas, está hoje mais do que nunca na ordem do dia. Temos de transformar o nosso atual ponto fraco, a dependência de combustíveis fósseis importados, especialmente da Rússia, num ponto forte, acelerando a nossa própria transição ecológica e assumindo um papel de liderança na transição mundial e ajudando os países emergentes e em desenvolvimento a gerir esta mudança.  

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Josep Borrell former HR/VP

"Uma janela para o Mundo" - Blog escrito pelo AR/VP Josep Borrell

Blog de Josep Borrell sobre as suas actividades e a política externa europeia. Pode também encontrar aqui entrevistas, op-eds, discursos seleccionados e vídeos.