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A solidariedade é essencial face a uma crise mundial sem precedentes

26/06/2020 - No passado dia 23 de junho, no Congresso dos Deputados, tive a oportunidade de intervir perante a Comissão para a Reconstrução Económica e Social de Espanha na sequência da pandemia de COVID-19. Foi uma grande honra comparecer no Parlamento espanhol pela primeira vez desde a minha nomeação como alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

Nenhum país, por maior que seja, pode resolver esta crise atuando isoladamente. Enquanto não forerradicado em toda a parte, este vírus continuará a ser uma ameaça para todos. A chave para resolvermos a situação é a solidariedade para com as pessoas e os países mais vulneráveis. #COVID19

Na minha intervenção, expressei o meu otimismo relativamente à resposta europeia à crise, mais concretamente, em relação ao fundo de recuperação que propusemos na Comissão Europeia (CE), já que pode implicar um grande passo em frente na integração europeia.

Foi muito gratificante poder trocar pontos de vista com os deputados espanhóis sobre esse plano. Trata-se de um assunto que já tive oportunidade de aprofundar neste blogue.

Mas, no meu discurso no Congresso, tive sobretudo a oportunidade de destacar o quanto esta crise está a abalar o mundo inteiro. Trata-se de uma crise mundial que terá importantes consequências geopolíticas às quais teremos de adaptar a nossa política externa.

Desde que apareceu em Wuhan, no final de 2019, o vírus já se propagou a mais de 200 países. E embora tenhamos conseguido reduzir o número de casos de contágio na União Europeia, o vírus continua a propagar-se à escala mundial.

O epicentro da pandemia foi-se deslocando a partir da China, passando depois pela Europa e, mais tarde, para os EUA, que é agora a área do mundo com maior número de casos de contágio. A situação é muito preocupante em muitos países emergentes e em desenvolvimento, em particular na América Latina, zona onde o vírus se está a propagar mais rapidamente.

Por todo o mundo, os governos foram dando resposta ao coronavírus com uma estratégia que o FMI apelidou de Great Lockdown (Grande Confinamento). As medidas de confinamento vão provocar a maior recessão da economia mundial desde, pelo menos, a Segunda Guerra Mundial. Embora a sua magnitude e duração exatas sejam ainda desconhecidas, segundo as últimas projeções do FMI e do Banco Mundial, esta crise poderá tornar-se três vezes mais profunda do que a crise por que passámos em 2008-2009, que foi apelidada "a Grande Recessão".

Trata-se de uma crise excecional, não só pela sua intensidade, mas também pelo seu caráter mundial. De acordo com o Banco Mundial, trata-se da recessão que afetou simultaneamente o maior número de países desde, pelo menos, 1870.

Esta crise vai também provocar – ou melhor, está já a provocar – uma crise social, inclusive nos países mais ricos do mundo, cujas consequências reais e políticas ainda desconhecemos. E nos países mais pobres e vulneráveis do mundo, estamos perante uma verdadeira tragédia humanitária.

De entre os países mais avançados do mundo, a área do euro deverá registar o maior declínio previsto para 2020. Os EUA e o Japão deverão também sofrer um declínio acentuado mas menos intenso. Na China, não se prevê que a atividade diminua em 2020, mas o seu crescimento será reduzido para 1 %, a percentagem mais baixa registada pelo país desde 1975.

No entender de alguns observadores, o progresso moderado da economia chinesa, que contrasta com a acentuada descida do PIB nos países avançados, indica que a pandemia vai intensificar a deslocação do centro de gravidade da economia mundial para a Ásia.

Para o conjunto dos países em desenvolvimento, com exceção da China, o Banco Mundial prevê a maior contração económica desde, pelo menos, 1960, o primeiro ano a partir do qual existem dados disponíveis. Estes países serão gravemente afetados pelo abrandamento do comércio mundial, que diminuirá ainda mais do que na crise de 2008. O investimento estrangeiro diminuirá em muitos países. As remessas dos emigrantes estão em total colapso, o que constitui um grande obstáculo para muitos países emergentes e em desenvolvimento. Os efeitos far-se-ão sentir particularmente na América Latina e nos países da Europa e da Ásia Central, do médio Oriente, do Norte de África e da África Subsariana, em parte devido à queda dos preços das matérias-primas.

A economia informal que existe em grande escala em muitos destes países vai agravar as consequências sanitárias da pandemia. Recorde-se que o setor informal representa, em média,dois terços do emprego nos países emergentes e em desenvolvimento. A falta de redes de segurança social impede os trabalhadores informais de ficarem em casa, uma vez que têm de trabalhar para poderem satisfazer as suas necessidades mais básicas. Para alguns países, a crise económica poderá ter consequências ainda mais graves do que as do próprio vírus.

Solidariedade: a chave para a resposta à crise

Nenhum país, por maior que seja, pode resolver esta crise mundial atuando isoladamente. A chave para resolvermos a situação é a solidariedade para com as pessoas e os países mais vulneráveis. E solidariedade não só por razões altruístas, mas também por interesse próprio.

Enquanto não for erradicado em toda a parte, o vírus continuará a ser uma ameaça para todos. É necessário disponibilizar o quanto antes uma vacina à maior parte da população mundial, e não apenas aos países mais ricos, o que também requer solidariedade.

E sair o mais rapidamente possível da devastadora crise económica mundial provocada pela pandemia também requer solidariedade, porque o grau de interligação das economias do planeta é muito elevado, muito mais elevado do que na altura de outras crises mundiais que alguns de nós podemos recordar.

Estamos todos no mesmo barco e chocámos contra um icebergue. Neste momento, pouco importa que uns estejam nos camarotes de primeira classe e outros nos de segunda classe. Agora que embatemos, o que é necessário é evitarmos, entre todos, que o barco se afunde.

Por isso, da nossa parte, lançámos, em conjunto com os Estados-Membros da União Europeia, a operação Team Europe, que já mobilizou 36 000 milhões de euros para ajudar os nossos parceiros em todo o mundo. Também disponibilizámos nove mil milhões de euros para acelerar o desenvolvimento de uma vacina contra a COVID-19 e apoiamos a ação da OMS, que gostaríamos de ver reforçada.

Para além desta resposta imediata, é ainda demasiado cedo para avaliar a mudança significativa no equilíbrio de poder mundial que esta crise certamente provocará. No que diz respeito à Europa, o nosso futuro lugar no mundo dependerá, em grande medida, do êxito do plano de recuperação que está atualmente a ser debatido.

 

 

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