Liberdade dos meios de comunicação social: um bem mais do que nunca necessário

"A pandemia acelerou a erosão da liberdade dos meios de comunicação social em todo o mundo. Temos de agir para inverter esta tendência porque, se a informação não for livre e rigorosa, a democracia não pode funcionar."
Na semana passada, dois jornalistas foram mortos no Burquina Fasso pelo simples facto de estarem a fazer o seu trabalho. A sua morte vem lembrar‑nos com toda a acutilância as ameaças com que se veem confrontados os jornalistas – e, na verdade, as nossas sociedades democráticas, que assentam numa imprensa livre. Devido à pandemia de COVID‑19, os jornalistas são muitas vezes forçados a trabalhar em condições perigosas. As medidas de confinamento desferiram também um duro golpe económico num setor já em crise, o dos meios de comunicação social independentes, levando ao despedimento de trabalhadores e ao encerramento de empresas. Com a democracia a regredir em tantas partes do mundo, a liberdade dos meios de comunicação social pisa terrenos cada vez mais movediços.
"Com a democracia a regredir em tantas partes do mundo, a liberdade dos meios de comunicação social pisa terrenos cada vez mais movediços."
Cresci num país onde, na altura, a imprensa não era livre e sei precisamente os custos que isso implica para o debate público e os direitos dos cidadãos. Sou ávido consumidor de comunicação social e, no meu trabalho quotidiano, apoio‑me em larga medida nas informações e análises fornecidas pelos jornalistas. Ao longo da minha carreira, travei conhecimento com uma série de jornalistas que trabalham para um vasto leque de meios de comunicação e cuja atividade profissional merece o meu apreço. Sei o quão difícil o seu trabalho já se tornara em muitos países mesmo antes da pandemia, devido à mudança dos modelos empresariais ligados à Internet e ao recrudescimento do antiliberalismo em todos os continentes.
Segundo Dia Mundial da Liberdade de Imprensa durante a pandemia de COVID‑19
É a segunda vez que celebramos o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa em plena pandemia de COVID‑19. Durante a crise sanitária, os jornalistas têm trabalhado para nos manter informados e seguros – correndo, por vezes, grandes riscos pessoais. Não faltam atualmente provas de que a pandemia acelerou a corrosão da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social. Segundo o Instituto V‑Dem, em 2020 dois terços dos países do mundo impuseram novas restrições aos meios de comunicação social.
"Não faltam provas de que a pandemia acelerou a corrosão da liberdade e do pluralismo dos meios de comunicação social."
Com a atenção mundial centrada na luta contra o vírus, muitos governos aproveitaram a crise sanitária para apertar a censura, permitir que os jornalistas fossem maltratados ou fechar os olhos a essa situação e impor restrições para acabar com a liberdade de expressão. Ao longo do último ano, em todo o mundo houve jornalistas intimidados, ameaçados, penalizados, presos, agredidos e até mesmo assassinados por fazerem o seu trabalho.
De acordo com o Comité para a Proteção dos Jornalistas, 274 jornalistas, número recorde verdadeiramente chocante, foram detidos por todo o mundo em 2020 devido à sua atividade profissional, muitas vezes sem saberem sequer de que eram acusados. Pelo segundo ano consecutivo, o maior número de jornalistas detidos registou‑se na China, seguida da Turquia, do Egito e da Arábia Saudita. No Índice Mundial da Liberdade de Imprensa de 2021, os Repórteres Sem Fronteiras afirmam que a liberdade dos meios de comunicação social é totalmente cerceada ou seriamente coartada em 73 países e reprimida em mais 59, que representam em conjunto 73 % dos países avaliados. Esta tendência é deveras preocupante.
Uma "infodemia" a par da pandemia de COVID‑19
A pandemia de COVID‑19 continua também a ser acompanhada de uma "infodemia" – a propagação maciça de desinformação acerca do vírus e dos esforços envidados para o combater. Muitos intervenientes – estatais e não estatais – aproveitaram‑se dos receios das pessoas para fazer vingar a sua agenda política ou económica, em detrimento da luta mundial contra a pandemia. Acompanhamos de perto e denunciamos estas campanhas de desinformação sempre que visam a UE.
"Nunca foi tão importante apoiar e proteger os meios de comunicação independentes. Se nem todas as pessoas tiverem acesso a informação livre e rigorosa, a democracia não pode funcionar."
Nunca foi tão importante apoiar e proteger os meios de comunicação independentes. Para que os cidadãos possam, com conhecimento de causa, escolher entre diferentes opções políticas, precisam na verdade de ter conhecimento exato dos factos em que se baseiam as suas escolhas. Se nem todas as pessoas tiverem acesso a informação livre e rigorosa, a democracia não pode funcionar. É por isso que temos de defender com firmeza a liberdade de imprensa e de lutar contra a desinformação.
Se não conseguirmos salvaguardar a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social na Europa e no mundo, poderemos também ver‑nos privados da nossa melhor defesa contra discursos perniciosos que procuram minar as nossas democracias e a nossa unidade.
Três planos de ação da UE em 2020 para reafirmar o nosso empenhamento na liberdade de imprensa
Em 2020, a UE reafirmou o seu empenho em intensificar o trabalho que tem desenvolvido em prol da abertura e da liberdade dos meios de comunicação social, com a adoção de três planos de ação diferentes[1] em que se apela ao reforço das ações da UE, tanto a nível político como financeiro – e não só na UE, mas também no resto do mundo. No passado mês de dezembro, adotámos também um regime mundial de sanções na área dos direitos humanos, munindo‑nos assim de mais um instrumento para combater violações e atropelos graves dos direitos humanos em todo o mundo, independentemente do local onde sejam praticados.
Juntos, temos de denunciar todas as violações da liberdade dos meios de comunicação social, apelar à libertação incondicional dos jornalistas presos em todo o mundo e garantir a sobrevivência económica dos meios de comunicação independentes. Assim como estamos a unir esforços para pôr termo a esta pandemia e combater as alterações climáticas, também temos de garantir que as gerações futuras continuem a poder exercer o direito fundamental que lhes assiste de dispor de meios de comunicação social livres e independentes.
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[1] O Plano de Ação para os Direitos Humanos e a Democracia 2020‑2024, o Plano de Ação para a Democracia Europeia e o Plano de Ação da UE para os Meios de Comunicação Social.
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