O Mediterrâneo deve ser um espaço comum onde possamos construir um futuro comum

«Devemos trabalhar em conjunto a bem da transição ecológica e a fim de conseguirmos tirar partido dos abundantes recursos solares, eólicos e hídricos que existem no Mediterrâneo para construir um sistema energético completamente novo.»
No domingo passado celebrámos, pela primeira vez, o «Dia do Mediterrâneo», ocasião que serviu para nos recordar que «as nossas semelhanças superam largamente as nossas diferenças». Alguém me perguntou o que o Mediterrâneo significava para mim. O Mediterrâneo ocupa um lugar muito especial na minha vida, tanto a nível pessoal como político. Para mim e para muitas pessoas da minha geração, Mediterrâneo é o título de uma canção icónica de Joan Manuel Serrat, que evoca muitas emoções e recordações felizes da minha juventude. E, como afirmou recentemente o Papa Francisco: «O Mediterrâneo tem uma vocação especial: é o mar onde diferentes povos se entrecruzam» e «que, ao longo das suas costas, os mantém em constante proximidade». Por outro lado, enquanto responsável político, o Mediterrâneo é também, para mim, uma fonte de preocupação: uma fronteira que divide dois mundos com enormes diferenças económicas e sociais.
«O Mediterrâneo é o mar onde diferentes povos se entrecruzam e é também uma fonte de preocupação, uma fronteira que divide dois mundos com enormes diferenças económicas e sociais.»
Dois mundos separados por um enorme fosso em termos de salários e níveis de vida. De acordo com os dados do Banco Mundial, em 2020 o PIB per capita dos países da vizinhança meridional da UE foi, em média, 6 vezes inferior ao da UE (6,8 vezes se tivermos em conta apenas os quatro países do Magrebe). Enquanto, na Europa, estamos a envelhecer rapidamente, na outra margem do Mediterrâneo a população é consideravelmente mais jovem: 31 % das pessoas têm menos de 14 anos de idade, contra 15 % na Europa. Desde 1990, a população da UE registou um crescimento de 6,5 %, enquanto nos dez países vizinhos do sul esse crescimento foi de 72 %.
Estas diferenças, aliadas à falta de oportunidades de desenvolvimento pessoal e económico alimentam os conflitos persistentes e a pressão migratória e explicam por que razão tantas pessoas, principalmente os jovens e as pessoas qualificadas, decidem atravessar o Mediterrâneo em busca de uma vida melhor e mais próspera na Europa. Para além de procurarem empregos e melhores perspetivas; esses jovens debatem-se também com os problemas decorrentes da instabilidade política e más práticas de gestão, com os conflitos persistentes e os limites às liberdades fundamentais que caracterizam alguns países.
«Temos de trabalhar em conjunto para resolver os diferendos e apaziguar as tensões, em benefício das sociedades de ambas as margens do Mediterrâneo.»
Muitos europeus veem os países do sul do Mediterrâneo principalmente sob essa perspetiva: sentem-se impotentes perante o espetáculo dos migrantes desesperados que perdem vida nos «cemitérios azuis» e preocupam-se com as consequências da pressão migratória e as tentativas dos migrantes para entrarem ilegalmente na Europa. Veem-lhes ao espírito os intermináveis conflitos no Médio Oriente, na Líbia e na Síria e a grande instabilidade política da região.
Mas, no entanto, estes países representam muito mais do que isso. «Temos de trabalhar em conjunto para resolver os diferendos e apaziguar as tensões, em benefício das sociedades de ambas as margens do Mediterrâneo.» Muito embora as sociedades europeias em envelhecimento necessitem de migrantes para garantir a sua prosperidade, muitos países da vizinhança meridional também são confrontados com pressões migratórias, uns enquanto países de trânsito e outros enquanto países de destino.
Precisamos de envidar todos os esforços para criar uma narrativa que seja positiva. Temos de aprender uns com os outros, forjar laços e promover intercâmbios tanto a nível humano como cultural. Mas, acima de tudo, precisamos de melhorar as condições de vida das pessoas do sul do Mediterrâneo, concentrando os nossos esforços na criação de empregos e na promoção do crescimento económico. Só através de um desenvolvimento económico e humano mais inclusivo conseguiremos colmatar o fosso económico e de riqueza e superar as diferenças que nos separam.
«Só através de um desenvolvimento económico e humano mais inclusivo conseguiremos colmatar o fosso económico e de riqueza e superar as diferenças que nos separam.»
Para fazer avançar esta agenda organizámos, na segunda-feira passada, um Fórum Regional da União para o Mediterrâneo e uma Reunião Ministerial UE-Vizinhança Meridional, que tive a honra de copresidir. A realização destas reuniões em Barcelona foi muito oportuna, uma vez que o chamado «Processo de Barcelona», que aqui teve início em 1995, lançou as bases para o que veio a ser, em 2008, a União para o Mediterrâneo, que reúne hoje os Estados-Membros da UE e 15 países das margens sul e oriental do Mediterrâneo. Há 26 anos atrás, participei neste evento fundador na qualidade de ministro espanhol das Obras Públicas e dos Transportes.
O evento reuniu um número recorde de ministros dos Negócios Estrangeiros da UE e da Vizinhança Meridional. Infelizmente, a participação dos nossos amigos do sul não foi tão elevada como previsto. Alguns ministros não puderam viajar devido à deterioração da situação sanitária, outros preferiram participar na Conferência Ministerial do Fórum de Cooperação China-África, situação que reflete bem a atual concorrência a nível mundial e deveria levar os países de ambas as margens do Mediterrâneo a refletir seriamente sobre a razão de ser e os benefícios decorrentes da sua cooperação mútua e a compará-los com o que outros países estão dispostos a oferecer.
Travámos amplos debates sobre o que poderemos alcançar, em conjunto, se pusermos em prática os objetivos Agenda para o Mediterrâneo, fomentarmos um desenvolvimento económico sustentável e conseguirmos construir sociedades mais inclusivas e equitativas. A fim de contribuir para a realização destes objetivos a UE criou, no ano passado, um novo Plano Económico e de Investimento da UE para a Vizinhança Meridional, que visa afetar até 7 mil milhões de euros a esta região entre 2021 e 2027, a fim de mobilizar até 30 mil milhões de euros ao longo da próxima década. Não tenho espaço neste blogue para me referir todas as questões que abordámos, mas permitam-me que me concentre num domínio concreto que oferece muitas oportunidades mutuamente benéficas e constitui um dos maiores desafios do nosso tempo: a luta contra as alterações climáticas e a aceleração da transição ecológica.
«O Mediterrâneo está a aquecer a um ritmo 20 % mais rápido do que o resto do mundo.»
O Mediterrâneo está a aquecer a um ritmo 20 % mais rápido do que o resto do mundo. As alterações climáticas estão já a causar problemas muito graves às sociedades, economias e infraestruturas dos países mediterrânicos, pondo em causa nomeadamente a segurança alimentar e hídrica e a estabilidade regional. A UE dispõe de um ambicioso Pacto Ecológico para combater as alterações climáticas. Para que o Pacto seja bem sucedido a UE terá, no futuro, de comprar grandes quantidades de eletricidade verde.
Devemos, pois, trabalhar em conjunto no quadro da transição ecológica a fim de podermos tirarmos partido dos abundantes recursos solares, eólicos e hídricos que existem no Mediterrâneo e construirmos um sistema energético completamente novo. A transição de combustíveis fósseis para fontes de energia renováveis é não só necessária para assegurar o nosso futuro comum mas constitui também uma oportunidade para uma maior diversificação e para o crescimento económico em ambas as margens do Mediterrâneo, bem como nos países exportadores de petróleo e gás da região. A próxima reunião da COP 27, que decorrerá em 2022, no Egito, deverá constituir um marco histórico no âmbito deste compromisso renovado.
Em prol do combate às alterações climáticas e de uma boa gestão da transição ecológica, que prevê também a realização de muitos outros objetivos essenciais. Não devemos abdicar das nossas vastas ambições mas sim trabalhar, em conjunto, para pôr em prática as ações necessárias para as concretizar.
[1] Argélia, Egito, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia, Marrocos, Palestina, Síria e Tunísia
https://twitter.com/JosepBorrellF/status/1465368816679018508
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