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O Iraque, pedra angular da estabilidade regional

11/09/2021 – Blogue do AR/VP – No início desta semana, visitei pela primeira vez o Iraque na minha qualidade de AR/VP com o objetivo de apoiar a estabilidade e a soberania do país. A visita teve lugar antes das eleições que se realizarão no próximo mês; para as acompanhar, a UE está a destacar uma missão de observação. Nós, União Europeia, estamos fortemente apostados em ajudar a construir um Iraque estável; durante a minha visita a Bagdade e a Arbil, sublinhei o empenho da UE e a sua vontade de apoiar as ambiciosas reformas exigidas pelo povo iraquiano.

"A UE está fortemente apostada em ajudar a construir um Iraque estável e apoia as ambiciosas reformas exigidas pelo povo iraquiano."

O que mais me impressionou durante a minha visita ao Iraque foi a amplidão dos desafios com que o país se vê confrontado. A história recente é deveras ilustrativa. Todos nós nos lembramos da invasão liderada pelos EUA em 2003 e da turbulência que o país atravessou. Seguiu-se-lhe a ascensão do EIIL, que, em 2014, conseguiu dominar grande parte do Iraque, condenando milhões de iraquianos a viver num regime medieval ou a abandonar as suas casas.

Em 2017, a reconquista de Mossul e de outras zonas controladas pelo EIIL permitiu que o Iraque recuperasse plenamente a soberania. Mas os custos foram enormes. Muitos iraquianos perderam a vida e muitas cidades ficaram parcialmente destruídas. Há ainda demasiadas pessoas deslocadas internamente no Iraque por não conseguirem regressar às suas casas, que pura e simplesmente já não existem. A décadas de ditadura implacável na era de Saddam Hussein seguiram-se anos de agitação política e fragmentação, com um governo central incapaz de garantir quer segurança quer serviços básicos à sua população e deixando caminho aberto às milícias, que muitas das vezes operaram com apoio externo.

"A décadas de ditadura implacável na era de Saddam Hussein seguiram-se anos de agitação política e fragmentação, com um governo central incapaz de garantir quer segurança quer serviços básicos à sua população e deixando caminho aberto às milícias, que muitas das vezes operaram com apoio externo."

Desde a derrota militar do Daexe, muitos dos problemas não foram ainda sanados: tensões comunitárias, um nível de corrupção preocupante, falta de responsabilização do aparelho de Estado, uma economia débil (segundo o Banco Mundial, em 2020 o PIB foi ainda mais baixo do que em 1990), para além da grande quantidade de pessoas deslocadas internamente e das pressões migratórias. Estes fatores estão a comprometer a estabilidade do Iraque. A estas dificuldades internas acrescem ainda tensões regionais. O país tornou-se um dos principais palcos da batalha travada na região entre sunitas e xiitas. Por isso mesmo, o Iraque continua a lutar por ocupar o lugar que lhe compete na região do Golfo. O país só teria a ganhar com o desanuviamento da situação no Golfo, o regresso de todas as partes ao PACG e uma solução política pacífica na Síria.

A UE apoia firmemente os esforços envidados pelo Iraque para promover soluções regionais para as tensões regionais.

Face a estas tensões regionais, concluímos que a nossa visita foi extremamente oportuna. Na semana passada, mais precisamente a 28 de agosto, o Governo iraquiano reuniu os dirigentes regionais na "Conferência de Bagdade", iniciativa destinada a promover o desanuviamento e o diálogo regionais. O Iraque é indispensável para criar segurança e estabilidade entre as potências regionais: Irão, Reino da Arábia Saudita e Turquia. A conferência reuniu-os a todos à volta da mesma mesa. Nada está ganho e esta foi uma importante conquista diplomática do primeiro-ministro, Mustafa al-Kadhimi: a UE apoia firmemente os esforços envidados para promover soluções regionais para as tensões regionais. Introduzir melhorias a nível regional ajudaria a criar condições para que o Iraque explorasse as suas potencialidades e se tornasse um país capaz de tirar partido das suas avultadas receitas petrolíferas, implementar reformas económicas e administrativas e consolidar o seu sistema federal.

O Governo iraquiano já está a trabalhar nas tão necessárias reformas socioeconómicas e de governação claramente exigidas pelo povo, como pudemos verificar durante os recentes movimentos de protesto. Estas reformas são essenciais para começar a virar a página da má governação, da instabilidade e da ingerência externa. São também fundamentais para garantir a viabilidade financeira do país e oferecer oportunidades de emprego, especialmente aos jovens. Com 60 % dos iraquianos abaixo dos 25 anos de idade, será esta uma das missões mais urgentes para o novo governo iraquiano após as eleições. A UE investiu 1,4 mil milhões de euros no Iraque desde 2014 e continuará a apoiar os esforços desenvolvidos para construir um Iraque estável, nomeadamente prestando assistência técnica.

"O dinamismo da sociedade civil iraquiana auspicia um futuro promissor para o país. Tenho insistido junto das autoridades na importância de intentarem processos penais por todos os atos de violência praticados contra intervenientes da sociedade civil."

Encontrei-me com o presidente iraquiano, Barham Salih, o primeiro-ministro, Mustafa al-Kadhimi, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Fuad Hussein, o presidente do Parlamento, Mohamed al-Halbousi, bem como com a representante especial das Nações Unidas e chefe da Missão de Assistência das Nações Unidas para o Iraque, Jeanine Hennis-Plasschaert. Durante a minha visita, foi com especial prazer que pude travar conhecimento com representantes da sociedade civil, de organizações de defesa dos direitos humanos e de movimentos de protesto para ouvir as suas preocupações e partilhar ideias sobre aquilo que a UE poderá fazer. O dinamismo da sociedade civil iraquiana auspicia um futuro promissor para o país. Os defensores dos direitos humanos e ativistas políticos iraquianos trabalham todos os dias pelo futuro da sua "watan", a sua nação, e os seus esforços são essenciais para consolidar a estabilidade política e económica do Iraque. No entanto, os atos de violência permanentemente cometidos contra a sociedade civil, os ativistas políticos e os jornalistas são motivo de grande preocupação e impedem o desenvolvimento do país. Tanto em contactos anteriores como durante esta visita, tenho insistido junto das autoridades na importância de investigarem exaustivamente e intentarem processos penais por todos os atos de violência praticados contra intervenientes da sociedade civil.

Em termos de segurança, a situação – bastante complicada – tem de melhorar

Nós, União Europeia, o que podemos e queremos fazer é acompanhar e apoiar os esforços desenvolvidos pelos próprios iraquianos para consolidar e reforçar a estabilidade, a segurança e a prosperidade do seu país. No entanto, para alcançar progressos dignos de relevo, é necessário melhorar a situação em matéria de segurança, que se revela deveras complicada. O Daexe continua a desferir ataques brutais contra civis iraquianos: na semana passada, precisamente, assistimos a mais um atentado mortífero em Kirkuk. Há outros elementos desestabilizadores que continuam também a cometer atos de violência. A UE está empenhada na coligação internacional contra o Daexe e, graças à experiência da nossa Missão de Aconselhamento da UE no Iraque, a EUAM, apoia a reforma do setor da segurança iraquiano.

"A 10 de outubro, os iraquianos vão às urnas. Tal deverá constituir um marco importante na consolidação democrática do país. A pedido do Governo iraquiano, estamos a destacar uma missão de observação eleitoral"

A 10 de outubro, os iraquianos vão às urnas. Será crucial que estas eleições sejam livres e imparciais e que o grau de participação seja elevado em todo o país. Nas circunstâncias atuais, as eleições poderão constituir um marco importante na consolidação democrática do país. Para apoiar este processo, estamos a destacar uma missão de observação eleitoral (MOE) a pedido do Governo iraquiano. A missão manter-se-á em funções ao longo de todo o processo eleitoral e elaborará um relatório público com recomendações.

Durante as reuniões que tive com as autoridades, debatemos também o importante dossier consagrado à migração. Reiterei o forte apreço da UE face à decisão tomada pelas autoridades de suspender temporariamente os voos para a Bielorrússia e solicitei que essa suspensão assumisse caráter permanente. É do nosso interesse comum impedir a instrumentalização dos migrantes pelo regime bielorrusso e evitar que as pessoas sejam exploradas por redes criminosas. As autoridades iraquianas sabem que se trata de uma questão muito importante para nós e estão dispostas a assumir compromissos mais concretos.

De Bagdade a Arbil

Prosseguindo a minha visita, desta vez a Arbil, foram também estas as mensagens que enderecei ao presidente Nechirvan Barzani e aos dirigentes da região do Curdistão iraquiano, nomeadamente ao primeiro-ministro, Masrour Barzani, e ao antigo presidente, Masoud Barzani. Também aqui me deparei com sérios desafios: divisões internas, presença de grupos armados estrangeiros e intervenções recorrentes por parte de países vizinhos. As relações entre Bagdade e Arbil são vitais para a estabilidade do Iraque. A UE não pode senão apoiar e incentivar o desenvolvimento de novos esforços para melhorar essas relações.

"A região do Curdistão iraquiano tem prestado provas de enorme generosidade ao dar guarida a tantas pessoas deslocadas internamente. Desde 2019, mais de 237 000 pessoas puderam beneficiar de serviços de gestão de campos de refugiados financiados pela UE."

A região do Curdistão iraquiano tem prestado provas de enorme generosidade ao dar guarida a mais de dois milhões de pessoas deslocadas, que foram chegando ao longo de seis meses apenas. Representam 30 % da população, o que reflete a amplitude do desafio. Tentámos ajudar a cumprir esta missão: desde 2019, 237 000 pessoas puderam beneficiar de serviços de gestão de campos de refugiados financiados pela UE. Continuaremos a apoiar projetos de integração das pessoas deslocadas internamente (PDI) nas comunidades locais.

Preservar o passado, projetar o futuro

Para além das reuniões oficiais, fiz uma visita rápida ao Museu Nacional do Iraque em Bagdade, que é um dos mais importantes do mundo. Guarda a história dos 5 000 anos da Mesopotâmia e, por conseguinte, desempenha um papel crucial na salvaguarda e valorização do riquíssimo património do país. Congratulo-me com o facto de a Missão de Aconselhamento da UE trabalhar com o museu. Esta é a primeira missão civil da UE no domínio da gestão de crises incumbida de preservar património cultural.

Em Arbil, visitei também a Cidadela de Qelat, inscrita no Património Mundial da UNESCO, outro sítio impressionante de beleza e carregado de história. É considerado o mais antigo local do mundo habitado em permanência. Beneficia de um projeto financiado pela UE que se destina a criar emprego no setor do património cultural para refugiados sírios e iraquianos em situação vulnerável.

A minha visita foi bem acolhida por todos os interlocutores e foram-nos lançados apelos inequívocos a que a UE intensifique o seu empenhamento no Iraque. Nos últimos anos, o Iraque atravessou tempos muito difíceis, de guerra, violência e conflitos. Mas estou esperançado no futuro. Cabe aos cidadãos e dirigentes iraquianos pegar nas raízes históricas do país para construir um Estado capaz de contribuir para a paz em toda a região. A UE é um parceiro empenhado em ajudar os iraquianos a velar por que isso aconteça.

 

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